18.11.09

Apagão expõe a necessidade de mais linhas de energia


Por Bianca Baptista, Bruna Smith, Clarissa Pains, Lucas Landau *


Governo culpa o clima pela falha de transmissão que deixou 60 milhões de brasileiros sem luz. Para professores da PUC-Rio, é necessária a diversificação do sistema elétrico para evitar o efeito cascata em caso de pane.
Lucas Landau

O apagão que atingiu 18 estados e 60 milhões de brasileiros, na noite desta terça-feira, 10, acende o sinal de alerta sobre a necessidade de verificar até que ponto o sistema elétrico está vulnerável, se o transtorno pode se repetir no país escolhido para sediar a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Segundo o secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Márcio Zimmerman, o blecaute resultou de falhas em três linhas que recebem energia da hidrelétrica Itaipu, responsável pelo fornecimento de 20% da energia.

Embora as causas dessas falhas sejam ainda incertas, o incidente expõe, segundo o professor de Engenharia Elétrica da PUC-Rio Eduardo Pacheco, uma certeza preocupante: são necessárias mais linhas de transmissão para que, no caso de falhas em algumas delas, o sistema possa suprir o fornecimento de energia. O doutor em Sistemas Elétricos de Potência afirma que, assim, reduz-se o risco do efeito dominó que deixou a maioria dos estados brasileiros sem luz.

Não podemos ficar tão vulneráveis assim. Seja por fatores climáticos ou outros motivos, a saída de operação de uma, duas ou três linhas, por exemplo, não deve ocasionar um apagão em cascata adverte.

Já na opinião do professor da PUC-Rio Delberis Araújo Lima, pós-doutor em Engenharia Elétrica, a redução do risco de blecautes generalizados exige um investimento de longo prazo, voltado à amplificação da matriz energética e à construção de hidrelétricas:

Este investimento não eliminará o risco de novos apagões, mas é necessário para reduzir a dependência de Itaipu e, assim, aperfeioçoar o sistema elétrico, tornando-o menos vulnerável argumenta o especialista. Geradores de emergência ajudam, porém de forma regional, não para o um país com as dimensões do Brasil.

Araújo Lima esclarece que o apagão tem uma natureza distinta do ocorrido em 2001, decorrente de falta de investimento em geração: havia mais consumidores do que a capacidade de gerar energia. O professor é pragmático ao avaliar o diagnóstico de falha em linhas de transmissão de Itaipu:

Não é um problema causado por falta de investimento. O sistema está sujeito a falhas técnicas do gênero. Não há como garantir que não se repita.

O Ministério de Minas e Energia culpa, por ora, as condições climáticas. Raios, chuvas e ventos fortes teriam danificado a transmissão de energia de três linhas, do Paraná para São Paulo. O triplo distúrbio acionou um mecanismo de defesa do sistema elétrico: ao interromper a distribuição de energia para evitar danos mais graves, deflagrou-se o efeito cascata que deixou no escuro cidades de São Paulo, Rio, Espírito Santo, Minas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Bahia, Acre, Rondônia, Sergipe, Alagoas, Rio Grande do Norte, Paraíba e Goiás.

Lanternas estratégicas


Na PUC-Rio, os alunos em aula tiveram que evacuar os prédios. Com a ajuda de 20 guardas, munidos de lanternas, os estudantes eram instruídos a descer com calma pelas escadas. Não houve pânico. Todas as luzes de emergência da universidade, com capacidade de uma hora de funcionamento, foram acesas.


Dois ascensoristas ficaram presos nos elevadores, um no prédio Frings e outro no Kennedy. A equipe de segurança abriu as portas e liberou os funcionários, uma hora depois do incidente.


Apesar de ter à disposição geradores de grande porte, a prefeitura do campus não pôde usá-los na noite do blecaute, pois, para ligá-los, seria necessário desligar todo o quadro de luz da universidade, processo que, segundo o prefeito da universidade, Eduardo Lacourt, levaria mais de duas horas.


– Os geradores têm capacidade de manter a PUC acesa por 48 horas. Serão acionados caso haja necessidade – afirma o prefeito.


A estudante Suzana Monteiro, aluna de Psicologia da PUC-Rio, participava de uma festa quando a luz acabou. Para ela, o incidente representou um duplo transtorno: no programa propriamente dito e na volta para casa.

Não foi a falta de luz que acabou com o aniversário, mas o calor. Saí por volta de uma hora da manhã e fiquei preocupada, pois as ruas estavam escuras e os sinais, apagados. Os carros estavam correndo muito. O pior de tudo foi subir de escada até o 11º andar. Ninguém merece – lembra.

A volta para casa foi um dos principais desafios impostos pela escuridão. Funcionária da loja Yogocream da PUC-Rio, Lívia Bastos conta que, para ir da universidade à Muzema, no Itanhangá, onde mora, superou uma série de desafios:

Foi um caos. Estava saindo daqui [da PUC] quando faltou luz. Tive a sorte de pegar uma van, porque faltava ônibus. Quando saltei, morri de medo. Estava um breu. Escorreguei e me sujei toda, no chão molhado – lembra Lívia.

A colega Jacqueline Correa, também moradora do Itanhangá, já estava em casa quando o fornecimento de energia foi interrompido. Mas, segundo ela, o “perrengue” foi grande:

Meus filhos começaram a chorar por causa de falta de luz e do calor. E, o pior de tudo, onde moro estamos sem água.

Flávio Virgílio, aluno de mestrado de Petróleo e Energia da PUC-Rio, observa que o sentimento de impotência diante do breu foi acentuado pela temperatura elevada, e outras impertinências:

Por causa das janelas abertas, ouvia tudo que o chato do meu vizinho falava. A única coisa boa foi quando ele ligou o rádio e pude me informar sobre o apagão.

Resgates na Gávea


Durante as três horas de apagão, o Corpo de Bombeiros da Gávea atendeu a dez chamadas. Oito relacionadas a elevadores parados e duas relacionadas a princípios de incêndio: um na esquina das ruas Jardim Botânico com Pacheco Leão e outro na Rua Rainha Elizabeth. Duas pessoas foram intoxicadas com a fumaça e levadas para o Hospital Miguel Couto.


De acordo com o tenente Paulo Barbosa, o princípio de incêndio está relacionado ao retorno da energia elétrica:


– Após um blecaute, quando a energia volta, pode gerar uma sobrecarga e provocar incêndios. Por isso, é recomendável manter os aparelhos eletrônicos desligados e as luzes apagadas.


O tenente De Marco, que estava de plantão, observa que outro problema comum decorrente da falta de luz remete às pessoas presas nos elevadores. Segundo ele, “é necessário que haja um critério para atender as chamadas, estabelecer prioridades, pois, normalmente, há uma viatura de salvamento, uma de água e uma ambulância”.


– Os acidentes envolvendo bebês, idosos e feridos são prioritários. Ontem, tivemos de remanejar nossa viatura para socorrer uma senhora com um recém-nascido – conta De Marco.


Diferentemente de outras áreas da capital fluminense, a Gávea passou incólume à ação de ladrões. Segundo o inspetor da Seção de Suporte Operacional (SESEP), Alessandro Barcelos, não houve registro de ocorrências na 15º DP (Gávea), durante o blecaute.

Lucas Landau
 Lucas Landau


Horas de aflição no Rio


Os transtornos sofridos por estudantes e funcionários da PUC-Rio e moradores da Gávea refletem as três horas de desordem e medo vividas no Rio e em boa parte do Brasil. Sem a orientação dos sinais, motoristas cariocas enfrentavam o risco de batida a cada esquina. Embora o fornecimento de energia e o consequente funcionamento dos sinais tenham se restabelecido a partir de, aproxidamente, meia-noite e meia, na manhã desta quarta-feira alguns sinais de trânsito ainda estavam em pane. Segundo a presidente da CET-Rio, Claudia Sechin, cerca de 115 cruzamentos foram afetados, principalmente nos bairros de Ipanema, Copacabana, Leblon, Centro, Taquara, Praça Seca, Madureira, Bonsucesso, Irajá e Ramos.


Toda a frota de ônibus permitida pela prefeitura está na rua. Segundo a Rio-Ônibus, 8.500 veículos "dão suporte" à população. Muitos, com medo de usar o metrô (que está funcionando com intervalos de até seis minutos), estão recorrendo aos coletivos. A preocupação aumentou o volume de carros pela cidade, levando a engarrafamentos.


Os trens voltaram a operar às 5h50 e funcionam com regularidade. As barcas e os aeroportos Tom Jobim e Santos Dumont também operam normalmente.


Entre a falta de água e os aparelhos danificados


Por conta do blecaute, as estações Guandu – que abastece de água o Rio de Janeiro e a Baixada Fluminense – e Imunana-Laranjal – que abastece Niterói, São Gonçalo, Itaboraí e Ilha de Paquetá – pararam de funcionar entre 22h de terça-feira e 4h desta quarta. Ao todo, 62 municípios foram atingidos. A Secretaria de Educação afirma que, por causa da falta de água, 1.729 crianças estão sem aula na rede municipal.


O presidente da Cedae, Wagner Victer, alerta que pode haver falta de água e pede para a população economizá-la por 72 horas. O restabelecimento da produção é um processo gradual, região a região, explica ele.


Os consumidores que tiveram produtos domésticos afetados pela queda da luz podem recorrer ao Programa de Orientação e Proteção ao Consumidor, o Procon-RJ. O prazo para pedir reembolso é de 90 dias. Segundo o órgão, deve-se solicitar o conserto de geladeiras e ar-condicionados, por exemplo, à concessionária de energia elétrica. Caso a concessionária não se manifeste, o consumidor deverá procurar o Procon pelo telefone 151, das 9h às 17h.


Autoridades culpam o clima


Eram 22h13 quando grande parte do Brasil ficou no escuro. Segundo representantes do Ministério de Minas e Energia, o blecaute que atingiu 18 estados brasileiros na noite de 11 de novembro de 2009 foi causado por pane no sistema elétrico interligado brasileiro, especificamente em três linhas de transmissão da usina Itaipu binacional, a maior do mundo, que fornece 14 mil MW de potência. No estado do Rio, 16 milhões ficaram sem luz. Por efeito dominó, até mesmo o sistema paraguaio teve o fornecimento de energia interrompido.


Ainda de acordo com os técnicos do governo, a pane resultou de adversidades meteorológicas na região de Itaberá, no sul do estado de São Paulo. As intempéries provocaram falha de abastecimento de três linhas provenientes de Itaipu.


O apagão brasileiro ganhou espaço na imprensa internacional. O jornal americano The New York Times destacou o fato de o Rio de Janeiro ser a sede das Olimpíadas de 2016. A rede britânica BBC enfatizou que as duas maiores cidades brasileiras, Rio e São Paulo, ficaram "à luz de velas". O jornal argentino Clarín afirmou que o blecaute levou "o caos" às grandes cidades brasileiras. E o jornal paraguaio La Nación contabilizou: o corte de luz em Itaipu afetou mais da metade do Paraguai.


*as cores no texto são para dividir o que cada um escreveu


(leia a matéria no Portal da PUC)