3.6.06

Foto by Lucas - Copacabana no trânsito


Direto ao ponto.

Depois do estresse de três horas sentado numa cadeira lendo e escrevendo (vale lembrar que era sábado e 8h da manhã), o menino saiu do colégio.
Pediu 30 centavos emprestados a um amigo. Ele tinha uma nota de dez e um real e setente centavos no bolso, o ônibus sendo dois reais, ele ainda precisa de trinta centavos. Ou dava a nota de dez para receber várias moedas dos trocadores putos por receberem dez reais e não dois.
Pegou os trinta centavos emprestados (que provavelmente não serão devolvidos por causa da memória) e saiu do colégio.

Passou pelo mesmo lugar onde há dois dias encontrara dois molhados e desesperados gatinhos. Parou, olhou o e relembrou a cena. A tristeza tomou seu peito. Continuou a andar em direção ao ponto de ônibus. No caminho testemunhou uma batida de carro. Nada grave, mas no fundo aquilo trouxe mais tristeza para o menino. Olhou para o relógio, eram onze e pouco.

Na direção do ponto parou na loja de calçados para ver se tinha algum tênis número quarenta e seis. Na hora que entrou na loja reconheceu o atendente. Era seu ex-vizinho, uma pessoa que fora feliz, animada, alegre e de bem com a vida (apesar da estranha forma de se vestir) e que agora está acabada, desanimada e infeliz. O menino desistiu de perguntar sobre o tênis. Saiu da loja em direção ao ponto. A cena do vizinho trouxe mais tristeza para o menino.

Ainda na direção do ponto parou na frente da vitrine de uma loja. Viu um conjunto de imãs de geladeira muito bonitinho. Entrou na loja, mas ao ver o preço desistiu. Achou feio na hora. Ao lado do menino uma mulher bem vestida comprava dois conjuntos de imãs. O menino viu a mulher bem vestida recebendo o troco e colocando-o no seu bolso. Eram alguns trocados, pouca coisa. Sairam ao mesmo tempo da loja e passaram uma uma mulher suja sentada no chão pedindo dinheiro com um bebê no colo e uma criança (no mesmo estado deplorável da mãe) brincando com as pombas ao lado. A mulher bem vestida que saira da loja, olhou pra mulher no chão, virou a cara e continuou andando. Não demonstrou nenhum sentimento em relação ao que vira. O menino, por sua vez, colocou a mão no bolso e pegou exatos dois reais em moedas que serviriam para o ônibus e deu à mulher no chão. O sorriso da família contagiou o peito do menino e toda a tristeza que estava guardada ali foi embora. A mulher disse uma frase com "Deus" no meio e agradeceu pela ajuda.

O menino continuou em direção ao ponto, já pensando nos dez reais que teria que dar ao trocador do ônibus. Depois de pouco tempo o menino sobe no ônibus e entrega a nota de dez reais à trocadora. Ao invés das moedas e de cara feia, o menino recebeu um "bom dia!" muito alegre e feliz, para a surpresa dele. A trocadora não estava preocupada com o nota de dez reais e puxou assunto com o menino:

- Ai, ai... Hoje é sábado... tem churrascão na casa do cunhado!
- Coisa boa, hein? - respondeu o menino.
- É! Churrascão é sempre bom, né? A gente não tem dinheiro, mora num lugar ruim, alguns não onde cair mortos, mas no churrascão todo mundo vai alegre, permanece alegre e sai de lá alegre.
- Nada de tristeza, né?
- Tristeza?? Pra que tristeza??? Quem precisa de tristeza?
(silêncio profundo do menino)
- Ninguém... ninguém... - responde o menino olhando pra rua pela janela do ônibus.

Ao sair do ônibus o menino se despediu da trocadora e lhe desejou um bom "churrascão" e foi pra casa pensando no "churrascão". Chegou à conclusão de que estava precisando de um "churrascão".