Acaba de ser lavrada em São José dos Campos uma sentença judicial que abre um precedente perigosíssimo para a liberdade de expressão na blogosfera brasileira. Para os que acompanham blogs há algum tempo, a história é conhecida. Para benefício dos que por ventura ainda não a conheçam, aqui vai o relato, desde o começo.Em 2004, um dos sócios de uma empresa de recolocação profissional, cuja reputação pode ser averiguada com uma consulta ao Google, sentiu-se ?ofendido? com um comentário publicado no blog Imprensa Marrom, e conseguiu uma liminar que tirou o blog do ar. O Imprensa Marrom logo depois conquistou o direito de voltar ao ar, mas na sua volta já não incluía espaço para comentários. Enquanto isso a ação continuava tramitando. Três detalhes são cruciais para se entender o caso:
1. o comentário havia sido feito por um usuário não identificado num post de mais de seis meses de idade. Ou seja, foi colocado num espaço onde ele dificilmente seria lido, já que é raro que algum leitor de blog leia caixas de comentários tão antigas.
2. a empresa em questão e o sócio que se sentiu ofendido jamais entraram em contato com o Imprensa Marrom pedindo que o comentário fosse apagado.
3. a empresa em questão é a mesma que já havia ameaçado, em termos bem grosseiros, o blogueiro Cris Dias com um processo judicial por causa de comentários publicados em seu blog.
Tudo isso torna o caso extremamente suspeito. O que vocês diriam de uma situação em que um anônimo escreve um comentário ofensivo a alguém num post de seis meses de idade, e quatro dias depois você é surpreendido com uma ação na justiça? Estranho, não? Pois bem, a ação desse senhor contra o Imprensa Marrom foi, na semana passada, parcialmente deferida, com o responsável pelo blog sendo condenado a pagar 10 salários mínimos por danos morais.
O Biscoito Fino e a Massa entende que essa é uma decisão equivocada. Meu argumento não é, obviamente, que se deve possuir o direito de dizer o que quiser sobre os demais nos nossos blogs. Os crimes de calúnia e difamação são previstos no código penal e se aplicam à internet da mesma forma que a outros veículos. No caso em questão, no entanto, parece-nos que a juíza ? sem sequer realizar uma audiência ? não atentou suficientemente para os fatos de que a ofensa não foi proferida num post do blog, e sim num comentário antigo, e que em nenhum momento foi dada ao blog a oportunidade de apagar o comentário ofensivo. Tive acesso à sentença e, apesar da juíza fazer a ressalva de que a responsabilidade do requerido se mantém, pois que, ao disponibilizar o espaço para divulgação democrática (termo utilizado na contestação) do conteúdo inserido por terceiros, assume o risco sobre as expressões ofensivas veiculadas, não foi dada, neste caso, absolutamente nenhuma chance de que a "ofensa" fosse sanada com um simples apagamento do comentário.
Este blog confia que essa decisão em primeira instância será revertida. Enquanto isso, manifesto total solidariedade ao amigo Gravataí Merengue, responsável pelo Imprensa Marrom. Manifesto também minha compreensão com a recomendação feita pelo Gravataí, de que à luz desta sentença os blogueiros brasileiros retirem ou instalem moderação em suas caixas de comentários. Compreendo a posição dos que optam por essa alternativa, mas o Biscoito continua com sua caixa de comentários aberta, confiante que esse perigoso precedente contra a liberdade de expressão será revertido em segunda instância.
Leituras relacionadas: Aberta a temporada de caça aos blogs, post de Alexandre Inagaki feito na época da liminar que tirou o Imprensa Marrom do ar; Justiça às turras com a Internet, matéria de Alex Castro sobre o imbróglio; Porque os comentários deste blog passarão a ser pré-aprovados antes da publicação, post de hoje de Alexandre Inagaki sobre o episódio; Na mira da justiça, de Rodney Brocanelli; Decálogo dos direitos do blogueiro, cá deste blog.
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PS: E não é que enquanto eu concluía este post fui surpreendido com outra história de lamentável cerceamento à liberdade de expressão na Internet brasileira? Alcinéa Cavalcante, respeitada jornalista e blogueira do Amapá, já recebeu nove representações judiciais do sr. José Sarney, com demandas absurdas como o apagamento de posts do blog e de comentários de leitores, além da aplicação de multas. O "crime" de Alcinéa? Simplesmente o fato de ter fotografado e publicado em seu blog uma charge vista num muro. Pois bem, este blog se junta à enorme rede que decidiu republicar a charge e desafiar o coronel maranhense:
Urgente, atualização: nesta sexta-feira as tesouras censoras do coronel Sarney conseguiram, na justiça, uma liminar que ordenava a retirada de seis posts do blog de Alcinéa Cavalcante. Num completo desrespeito aos leitores, o UOL tirou o blog inteiro do ar. Alcinéa se recusa a ser silenciada e já montou um novo blog no blig e outro blog hospedado no exterior. Por favor, ajudem a divulgar.
PS: copiem essa mensagem e a imagem por e-mail, blog, Flickr, flog, etc.
"A liberdade de expressão é a maior expressão da liberdade"
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